Estava conversando com o Victor Cavalcante e com o André Dias e o André contou uma história interessante. Ele contou como, uns anos atrás, foi trabalhar com o Fabio Galuppo. Segundo ele, o anúncio do Fabio era mais ou menos assim:
"Quer trabalhar em uma empresa parecida com a Microsoft? Quer trabalhar de bermuda, e com horário flexível? Entre em contato conosco."
De imediato lembrei do anúncio que a Globo.com colocou na sua palestra do Scrum Gathering. Havia um desse em cada cadeira onde os congressistas sentaram:
"Cansado de apertar parafusos? Agora você poderá participar do processo criativo, colaborando com suas idéias em um time multidisciplinar formado por desenvolvedores, dbas, sysadmins, designers, testers. Você vai especificar e implementar esses sistemas, além da manutenção evolutiva e corretiva dos produtos atuais.
(…)
Cansado de ficar preso na jaulinha? Aqui temos diversas máquinas no laboratório para testarmos o que precisa ser feito. Ninguém vai censurar sua internet, e, se você quiser, pode instalar a sua distro preferida. E ainda damos apoio para o desenvolvimento de projetos pessoais. Suas idéias podem virar grandes projetos na Web."
E olha que está resumido. O panfleto ainda cita diversas outras coisas interessantes.
Vocês tem idéia da quantidade de currículos que o Galuppo deve ter recebido? Se você está em busca do top 5%, você precisa de pelo menos uns 20 candidatos para achar 1 do top 5. Não é fácil. O André, que hoje trabalha na Microsoft, contou que na época podia trabalhar de bermuda, com exceção apenas para os dias em que recebiam clientes na empresa. Tinha horário flexível, podia trabalhar de casa, fazia o que gostava, e ainda ganhava para isso!
E na Globo.com, o que vocês acham que vai acontecer? Eu sei de uma coisa: eles vão precisar de um guarda-chuva, vai chover currículo.
Quantidade não é qualidade, mas, para selecionar um profissional de qualidade este profissional precisa, no mínimo, querer trabalhar na empresa – ele precisa se interessar por ela.
Enquanto isso grandes bancos colocam o desenvolvedor na "jaulinha". Sei de um que impede qualquer contato com a máquina de desenvolvimento além do mouse, teclado e monitor – O desktop fica em uma sala separada. Há outro onde o desenvolvedor não pode trabalhar de barba (?!), usar nada no bolso da camisa, ou sequer conversar com o colega do lado. Há outra empresa que conheço onde nenhum e-mail do funcionário sai da corporação, e ele também não tem acesso à webmails públicos.
Acho que nem os militares são assim assim tão rígidos. Qual você acha que é a produtividade de times que trabalham desta forma? Será que há times, ou meras agregações de pessoas? Vale a pena tratar desenvolvedores de software como se fossem operários da década de 50? (Vale a pena tratar operários do século XXI como se fossem operários da década de 50?)
Vou mais longe: Qual é o problema de trabalhar de bermuda? De ter horário flexível? De ter cabelo comprido, barba, piercing, etc? Porque gastamos tanto tempo avaliando itens que não tem relação alguma com a entrega? Pior, porque coagimos nossos funcionários a trabalhar infelizes, e, consequentemente, produzirem menos? Nossa tradição se paga? Tradição é um outro nome para pré-conceito quando ela é exercitada sem questionamento.
Cada empresa que trabalhe como quiser, no entanto, umas trabalham melhor que outras. Em um mercado com falta de profissionais, quem dá as cartas não são as empresas. Continuem elas a seguir este modelo ultrapassado, vão ficar com o resto, porque a nata vai trabalhar aonde se sente mais à vontade. Hoje em dia troca-se de emprego em um estalar de dedos. A opção das empresas "tradicionais" vai ser aumentar o salário, para convencer os profissionais a ficarem. Só que isso só funciona por algum tempo. Além disso, nenhum gerente sustenta internamente um custo acima do necessário por muito tempo, isso acaba sendo questionado, e, eventualmente, a empresa se rende. "Se rende". À que? À coerência?
A nova geração, composta de pessoas que estão se formando agora, e que, com 21 anos, nasceram no final da década de 80 e passaram toda sua adolescência no século XXI, também dará muito trabalho para empresas que não focam no resultado, mas nos itens menores que já citei. Essa geração cresceu com internet e liberdade, e chega ao mercado de trabalho questionando esse modelo antiquado. Apenas os submissos vão encarar essa coação, enquanto os criativos buscam uma empresa melhor para trabalhar. Que tipo de profissional você prefere ter ao seu lado?
A geração seguinte, que virá em 5 anos, será ainda mais decidida. Ela terá crescido com a mobilidade total, com o 3G no celular e no notebook. É a informação 100% disponível, 100% do tempo, em 100% dos dispositivos. Será a geração que cresceu 100% conectada.
Como você vê essa questão?
Giovanni Bassi
Arquiteto e desenvolvedor, agilista, escalador, provocador. É fundador e CSA da Lambda3. Programa porque gosta. Acredita que pessoas autogerenciadas funcionam melhor e por acreditar que heterarquia é mais eficiente que hierarquia. Foi reconhecido Microsoft MVP há mais de dez anos, dos mais de vinte que atua no mercado. Já palestrou sobre .NET, Rust, microsserviços, JavaScript, TypeScript, Ruby, Node.js, Frontend e Backend, Agile, etc, no Brasil, e no exterior. Liderou grupos de usuários em assuntos como arquitetura de software, Docker, e .NET.