Já cansei dessa discussão. Já respondi em blogs vezes demais, twitter vezes demais. A resposta é sempre a mesma: não, gerência de projetos feita ao estilo proposto pelo PMI no PMBoK não combina com frameworks ágeis (incluindo Scrum, antes que algum desinformado pergunte). São quase diametralmente opostas na sua essência. Obviamente que há práticas valiosíssimas no PMBoK, mas não é isso que estou discutindo, estou discutindo a essência.
O negócio fica pior se você considerar como a maioria dos PMPs pensam, mas nem vou entrar nesse mérito, todo mundo sabe como PMPs e gerentes de projeto baseados nas ideias propostas pelo PMI se comportam, todos sabem que a esmagadora maioria se expressa através do comando e controle, algo inaceitável em qualquer prática ágil. Coloco no ar apenas se é possível separar a teoria de como ela é aplicada; fica a provocação.
Pra não ficar só no achismo, aqui vão algumas citações diretas do PMBoK, no que tocam o gerente de projetos.
Cap. 1
”O gerente de projetos é a pessoa responsável pela realização dos objetivos do projeto.”
”Um gerente de projetos é responsável pelo fornecimento de objetivos específicos do projeto dentro das restrições do projeto…”
”O gerente de projetos controla os recursos atribuídos ao projeto para atender da melhor forma possível aos objetivos do projeto, enquanto o PMO otimiza o uso dos recursos organizacionais compartilhados entre todos os projetos.”
”O gerente de projetos gerencia o escopo, o cronograma, o custo e a qualidade dos produtos dos pacotes de trabalho.”Cap. 2:
”Gerente de projetos. A pessoa responsável pelo gerenciamento do projeto.”
”Os gerentes de projetos precisam gerenciar as expectativas das partes interessadas…”
”As organizações por projeto em geral possuem unidades organizacionais denominadas departamentos, mas esses grupos se reportam diretamente ao gerente de projetos ou oferecem serviços de suporte para os diversos projetos.”
”Os membros da equipe do projeto se reportarão diretamente ao gerente de projetos ou, se forem compartilhados, ao PMO.”Cap. 4
”O termo de abertura do projeto concede ao gerente de projetos a autoridade para aplicar os recursos organizacionais nas atividades do projeto.”
Parei no capítulo 4. Está bom, né?
Está evidente que essa figura não encaixa bem em práticas ágeis. O gerente de projetos controla e comanda o time gerenciando escopo, prazo, custo e qualidade. Ele diz o que o time tem que fazer, depois vai lá e verifica se eles fizeram. Essa figura, como está descrita no PMBoK, não existe em Crystal, XP, FDD, Scrum ou qualquer outro framework ou metodologia ágil.
Lembro até hoje do Ricardo Vargas, chairman mundial do PMI, fazendo o Keynote do Scrum Gathering Brasil ano passado. Foi super bonito, bem ao estilo Lulinha paz e amor, todo mundo se dá bem, somos todos amigos, até o Juan Bernabó perguntar o que ele achava de times auto-gerenciados, e aí ficou claro que discurso é discurso, prática é outra coisa. O Ricardo falou que, na opinião dele, isso não funcionava, que tinha sempre alguém que ficava enrolando, e que alguém tinha que cobrar. Não que não seja verdade na realidade dele, o Ricardo Vargas gerencia projetos muito complexos, de plataformas de petróleo, e coisas do tipo, e vai ver lá funciona como ele falou, funciona tudo o que PMI propõe. Só que em software não funciona, ele não deve saber porque não trabalha com software (porque se trabalhasse não entregaria nada, assim como os outros GPs que trabalham com desenvolvimento de software). Não que isso seja um problema para estes gerentes de projeto, já que gerentes de projetos à la PMI não ligam que não conhecem nada de software, porque segundo o PMI o gerente de projeto deve ser capaz de gerenciar um projeto de qualquer tipo, de uma plataforma de petróleo a um ERP, de uma reforma à um novo projeto de marketing. Ah, então tá bom.
Esperem ver essa figura perdendo mercado em TI nos próximos anos. Cada vez menos GPs vão ser contratados. Alguns vão “virar” ScrumMasters, outros simplesmente vão para a rua ou vão fazer outra coisa. É inevitável.
E não acreditem em mim, vão lá ler. Baixem o PMBoK em algum lugar, leiam, e confirmem o que está escrito acima (sei lá se ele se vende ou se é de graça hoje em dia, o meu é hard copy). E descubram outras incongruências. E aproveitem para tirar suas próprias conclusões.
Cansei desta discussões. Que venham os flames agora, nos comentários.
Giovanni Bassi
Arquiteto e desenvolvedor, agilista, escalador, provocador. É fundador e CSA da Lambda3. Programa porque gosta. Acredita que pessoas autogerenciadas funcionam melhor e por acreditar que heterarquia é mais eficiente que hierarquia. Foi reconhecido Microsoft MVP há mais de dez anos, dos mais de vinte que atua no mercado. Já palestrou sobre .NET, Rust, microsserviços, JavaScript, TypeScript, Ruby, Node.js, Frontend e Backend, Agile, etc, no Brasil, e no exterior. Liderou grupos de usuários em assuntos como arquitetura de software, Docker, e .NET.