Nos últimos posts discutimos bastante sobre gestão e há material para muitos posts daqui pra frente. Neste quero endereçar o nome “gerente” (ou “diretor”, “coordenador”, “supervisor”, e semelhantes).
A concepção do gerente tem origem na escravidão, como o Victor Hugo já demonstrou no último post. Ainda que muitos gerentes atuais não se vejam como herdeiros históricos dos antigos capatazes de escravos, não temos como escapar dos fatos. Seria ingênuo da nossa parte assumir que muitos dos efeitos negativos da escravidão se extinguiram com ela, quando o descendente do capataz vive hoje sob outro nome. Sem chicote (mas com uma poderosa caneta), ele não tem mais poder para açoitar seus funcionários, e muitos tentam fazer um trabalho mais humano, e porque não dizer, democrático.
Daí a ideia de que podemos evoluir o gerente, além do capataz, para um líder democrático. Muitos já o são. Qual seria o mal de usar o nome “gerente”?
O primeiro problema é que teremos um mesmo nome para significar coisas diferentes. Isso é sempre motivo para confusões (além da demonstração de uso pobre da língua). Se mantivermos o nome, quando alguém disser que tem um gerente na empresa, entenderemos como um líder democrático ou como um autocrático? Entenderemos como um líder que inspira e educa, ou o que comanda e controla? São personalidades tão diametralmente opostas, porque as chamaríamos pelo mesmo nome? Por convenção? Tradição?
Há nesse momento uma enorme carga sobre o nome “gerente”, e grande parte dela não é positiva. Gerente, principalmente no Brasil, significa um líder que comanda e controla, sem espaço para decisões compartilhadas. Dificilmente conseguiríamos reverter isso. E porque esse esforço todo, se podemos simplesmente escolher outro nome?
Um líder democrático não possui as mesmas atribuições de um gerente, já que muitas delas estão distribuídas sobre o time. Assim, se mantivermos o nome “gerente” para um líder democrático que assume o papel de, por exemplo, ajudar o time a se manter fiel ao processo que escolheu, não deveríamos também dar o nome “gerente” ao líder que faz a ponte com outros departamentos da empresa (gerencia as dependências interdepartamentais), ou ao líder que determina o direcionamento técnico (gerencia o resultado técnico)? Se eles também gerenciam aspectos importantes do trabalho porque não são gerentes?
Se formos buscar outros nomes, quais seriam? Com o fim do gerente, temos à nossa disposição centenas, quiçá milhares de nomes mais específicos para designar tais colaboradores, que vem diretamente da função desempenhada. Por exemplo: se uma pessoa assume a posição de definir a estratégia técnica do software, podemos chamá-lo de arquiteto (seguindo a excelente definição do Elemar Jr. sobre o que faz um arquiteto). Se ele é responsável por ajudar os membros do time a encontrar seus potenciais, podemos chamá-lo de coach. Se vai cuidar do processo e remover impedimentos, podemos chamá-lo de Scrum Master (segundo a própria definição do Scrum). Se ele vai coordenar a execução musical podemos chamá-lo de maestro. Se ele ensina a executar os movimentos corretos de uma arte marcial, é o mestre.
O nome que será utilizado não importa, desde que respeite o que a pessoa de fato faz. Muito diferente de “gerente de TI”. O que faz um “gerente de TI”? “Gerencia” TI? O que é exatamente isso? Às vezes me pego achando que os nomes são assim abstratos de propósito. De qualquer forma, notem como em cada empresa gerentes de TI fazem coisas muito diferentes. Isso é resultado de um nome vago, imperfeito, impreciso.
Remover o peso do nome “gerente” também ajuda a deixar claro que tal líder não está acima dos outros, portanto não é mais importante, e não deve ser mais bem recompensado com salário, bônus, ou qualquer outro benefício diferente do que o time recebe. Um líder é simplesmente mais uma engrenagem, ajudando a entregar o trabalho, assim como todos os seus colegas. Sem ele o trabalho não sai, é fato, assim como sem os seus colegas também não.
A mudança de nomes também nos lembra de que o gerente não pode evoluir para a democracia, porque nesse caso nega sua herança histórica. No momento em que um gerente é verdadeiramente democrático, ele deixa de ser gerente. Se fez isso de fato, distribuiu as atividades de gestão para quem está mais próximo da execução, assumindo um papel de liderança mais concreto (como nos papeis citados antes). O melhor que pode fazer é abandonar o título de gerente e assumir o que realmente faz. Melhor para ele, para seus colegas, e para toda a sociedade.
Minha impressão é que muitos temem em abandonar o título por motivos de investimento pessoal. A pessoa buscou a posição por tanto tempo, porque a abandonaria agora? Este é o profissional mais preocupado com a carreira do que com quem lidera, ou até mesmo com a empresa que trabalha, incapaz de equilibrar tantas demandas. Parece o contrario das características que muitos gerentes dizem que apresentam, não é? É porque de fato é. Há uma grande distância entre o líder preocupado em direcionar, inspirar, educar (enquanto alia isso a uma busca por uma boa carreira) e o preocupado somente com si próprio e seus títulos, inseguro diante de uma ameaça que pode lhe tirar a posição.
Assim, devemos abandonar os medos e o nome marcado, e evoluir para o novo paradigma. Livres do peso do paradigma anterior e prontos para uma nova forma de liderar cultivaremos lideranças reais e mais preparadas para a concorrência cada vez mais rápida e para e demanda crescente por produtividade.
Giovanni Bassi
Arquiteto e desenvolvedor, agilista, escalador, provocador. É fundador e CSA da Lambda3. Programa porque gosta. Acredita que pessoas autogerenciadas funcionam melhor e por acreditar que heterarquia é mais eficiente que hierarquia. Foi reconhecido Microsoft MVP há mais de dez anos, dos mais de vinte que atua no mercado. Já palestrou sobre .NET, Rust, microsserviços, JavaScript, TypeScript, Ruby, Node.js, Frontend e Backend, Agile, etc, no Brasil, e no exterior. Liderou grupos de usuários em assuntos como arquitetura de software, Docker, e .NET.