Na Lambda3 não temos gerentes. Nunca teremos gerentes. A empresa nasceu assim, e isso está na base do nosso trabalho. Acreditamos na democracia organizacional e na capacidade de autogestão e autoorganização. Sabemos que seguindo tais conceitos iremos não somente preencher o espaço deixado por um gerente, mas na verdade tornar tal espaço obsoleto e ir mais longe sem as suas restrições.
Escrevo este post motivado por algumas palavras do Victor Hugo Germano, também da Lambda3, que semana passada desandou a pontuar como enxerga os gerentes, e aproveitou pra colocar algumas referências enquanto pontuava. Eu ouvi e li algumas destas referências, inclusive algumas delas vem da famosa publicação Harvard Business Review, publicação essa muito conhecida por ser lida por… gerentes. E por fim, o Elemar Jr pontuou sua visão do gerente. Eu quero entrar nessa conversa e esse post representa minha entrada.
Neste post, entenda que quando falo de “gerente” estou me referindo a qualquer pessoa que gerencia outras, podendo ser gerente, diretor, entre outros.
Gerentes não são admirados
Gostaria de começar lembrando que se gerentes fossem um tipo de pessoa que é amada e admirada pelas pessoas não teríamos tantas piadas de gerente, não teríamos The Office, ou Como enlouquecer seu chefe. As pessoas admiram os salários dos gerentes, mas não a figura e o que ela representa. Pesquisas recentes demonstram que boa parte da geração X não quer ser gerente pra não ter que viver se matando de trabalhar, sendo odiado e segurando stress.
Estou generalizando? Lógico, há pessoas com cargo de gerentes que são admiradas. Há pessoas que ocupam cargo de gerência que tem um viés democrático. Mas estes entendo como pessoas que são líderes sob o peso do cargo de gerência e muita expectativa e tradicionalidade. Ainda assim, escolhem a posição, não são obrigadas a ela. Ou ignoram os problemas que citarei a seguir ou simplesmente não ligam, e em qualquer dos casos, não são menos responsáveis por eles.
Gerentes comandam e controlam
Gerentes, conforme se espera deles, devem gerenciar. E gerenciar, principalmente no Brasil, significa determinar ordens que serão seguidas. Por esse motivo gerentes são muito ineficientes, porque centralizam decisões que poderiam ser tomadas de maneira muito mais informada pelas pessoas mais próximas da execução do trabalho. Gerentes recebem informação de segunda mão, e são portanto menos preparados para tomar decisões. Também o são porque não serão eles que executarão as decisões, mas outros, seus subordinados, que vão executar como acharem melhor e não como o gerente espera.
Poderíamos alegar que gerentes tem uma visão mais holística sobre o que gerenciam, enquanto as pessoas que executam a tarefa tem uma visão restrita. Isso é verdade, mas só quando temos um gerente. Em ambientes democráticos algumas pessoas desenvolvem naturalmente a capacidade de ver mais alto, e a coordenação do trabalho ainda é realizada, só que sem imposição de cargo, mas por verdadeira liderança. Note que o líder sempre existirá, e ele não é um cargo, mas uma posição ocupada pela pessoa mais adequada para a tarefa. Tal pessoa não é colocada na posição de liderança por quem está acima dela, mas democraticamente por quem está abaixo. Não precisamos de eleição, o processo é orgânico e natural.
Um único ponto de vista
O gerente sofre ainda do fato de ser um só, e por isso ter só um ponto de vista: o seu. É muita pretensão assumir que o seu ponto de vista é sempre o correto ou mais bem preparado ou embasado, ainda mais porque ele não executa nada diretamente e está distante do dia a dia, como já vimos. A única maneira de superar isso é tentar obter o ponto de vista da sua equipe, que muitas vezes vê o gerente como um alienado e péssimo tomador de decisões. Isso quando o gerente não faz o papel de democrático e ouve a todos para no final escolher o que já havia decidido desde o começo. Ao contrário, em um ambiente democrático temos inúmeros pontos de vista que podem se encontrar para resolver o problema, às vezes precisando de um catalisador ou líder, às vezes não.
Gerentes custam caro.
E custam caro para entregar menos, conforme vimos nos pontos anteriores. Vale mais a pena termos mais 3 pessoas no time do que um gerente, porque elas entregam valor real e não uma “coordenação” abstrata.
Gerentes sustentam sua existência na hierarquia e na burocracia
As estruturam que sustentam a existência do gerente apoiam uma hierarquia. Hierarquias não sobrevivem naturalmente, elas são complexas e tendem a se desorganizar naturalmente (na autogestão acontece o processo inverso). Para manter tudo funcionando processos precisam ser claramente definidos, divulgados e seguidos. Nasce então a burocracia. Não é coincidência que quanto mais hierárquica uma organização, mais burocrática ela é. Entramos então no cenário das decisões burras mas que seguem as políticas da empresa. Todos já viveram isso, ninguém concordou, mas seguiram assim. O progresso a caminho da catástrofe é geralmente evidente mas a burocracia, a hierarquia e a autocracia impedem qualquer ação por quem notou o problema. Pessoas que odeiam a burocracia mas apoiam a hierarquia são contradições vivas, já que uma alimenta a outra, depende da outra. Burocracia só deixa de existir em um ambiente autogerido.
Gerentes seguem números
O bônus do gerente normalmente é medido de forma objetiva. Para bater suas metas, ele precisa entregar números. E a maneira com que os números são entregues faz diferença, algo que ainda nos é lembrado a cada dia enquanto passamos pela crise financeira que iniciou em 2008. Os fins não justificam os meios, bater a meta não justifica práticas menos nobres ou despóticas junto aos funcionários, clientes ou empresa. Ainda assim, justamente na posição de liderança as pessoas são movidas por bônus e ônus. As consequências óbvias são as constantes brigas interdepartamentais e gerentes espremendo funcionários, tornando o ambiente organizacional um inferno, que consagra transformando o gerente no estereótipo do funcionário odiado.
Há solução
Mas a vida não precisa ser assim. Se você é gerente, mas não se enxerga na descrição que acabo de fazer, liberte-se da pressão social, liberte-se da escravidão do suposto salário maior. Você pode liderar sem cargo, e ganhar bem sem ser gerente. Lembre-se que seu salário depende da sua raridade, não do seu cargo. Viva sem as piadinhas de gerente, e seja mais feliz.
Tenho plena consciência de que estamos nesse momento em transição e em cem anos olharemos para o começo do século XXI como a época bárbara do comando e controle, do desvio de produtividade, e do trabalho desumano. Por sorte há empresas que já estão lá, um século adiantadas, demostrando que é possível produzir de uma forma mais inteligente e respeitosa.
Em que século você vai trabalhar só depende de você.
Update: o Elemar respondeu.
Giovanni Bassi
Arquiteto e desenvolvedor, agilista, escalador, provocador. É fundador e CSA da Lambda3. Programa porque gosta. Acredita que pessoas autogerenciadas funcionam melhor e por acreditar que heterarquia é mais eficiente que hierarquia. Foi reconhecido Microsoft MVP há mais de dez anos, dos mais de vinte que atua no mercado. Já palestrou sobre .NET, Rust, microsserviços, JavaScript, TypeScript, Ruby, Node.js, Frontend e Backend, Agile, etc, no Brasil, e no exterior. Liderou grupos de usuários em assuntos como arquitetura de software, Docker, e .NET.