O dia 08 de Março é uma data que levou mais de 60 anos para institucionalizar-se mundialmente como “Dia Internacional da Mulher”, sendo resultado de inúmeros acontecimentos nos EUA e na Europa, dentre os quais, o tão citado incêndio na fábrica têxtil Triangle. Desde o final do século XIX, as lutas feministas pelo direito ao voto, melhores condições de vida e trabalho vem escrevendo a história desta data, que tem sido gradativamente absorvida pelo comércio, tornando-se mais uma data de consumo, voltada para estereotipação da figura feminina.
Por conta desse esvaziamento de contexto da luta feminina, o dia 08 de Março deve servir para conscientização. Não foram somente as tecelãs norte-americanas, as sufragistas, as socialistas européias que sofreram por conta de uma sociedade que trata mulheres de modo tão díspare. Esta constituição social é bem mais antiga e estamos todos arraigados ao seu legado.
Nos dias atuais, continuamos a ver mulheres com dupla, tripla jornadas, recebendo salários menores do que seus pares, exercendo as mesmas funções, e tendo uma formação equivalente ou superior. Conhecemos e sabemos de mulheres que sofrem agressões físicas e psicológicas, dentro de casa, no ambiente de trabalho e em lugares públicos. E os números são alarmantes: uma mulher é estuprada a cada 11 minutos (considerando apenas os casos relatados à polícia, que totalizam cerca de 10% da estimativa do Ipea). E vale lembrar que a maioria esmagadora dos agressores são cônjuges, namorados, parentes e pessoas próximas às vítimas.
Pesquisas recentes apontam a perda de auto-confiança e o princípio da queda de auto-estima já nos primeiros 7 anos de idade das meninas, por conta do conteúdo que lhes é incutido como papel feminino. Mulheres são criadas e instruídas há muito tempo para serem coadjuvantes de seus esposos, administradoras do lar. O conceito de responsabilidade materna é intimamente ligado à culpa por quaisquer comportamentos negativos dos filhos. A dicotomia do que é a figura feminina é uma das principais causas de doenças psiquiátricas em jovens mulheres.
Diante de um sem número de violências sofridas cotidianamente por cada mulher e por todas, enquanto classe, o discurso de ódio ou a vitimização poderiam ser tomados como resposta. Ao contrário do que a parca parcela de pessoas desinformadas ou tendenciosas dita, não é o que ocorre. O empoderamento feminino tem crescido visivelmente nas últimas décadas e hoje já embasa, inclusive, posicionamentos político-econômicos, bem como mercadológicos. Mas esta luta deve ser contínua. A retomada de fôlego deve ser constante.
Através das lutas feministas hoje nós mulheres podemos estudar, trabalhar fora de casa, temos liberdade sexual, direito ao voto. E estamos resgatando e reescrevendo a história, trazendo à luz nomes de mulheres que tiveram seus feitos nas mais diversas áreas usurpadas. Mas temos um longo caminho pela frente: constantes quebras de paradigmas que nós mesmas carregamos, lutando contra a passividade que nos foi ensinada, questionando o que de fato é biológico e o que nos foi tolhido por manutenção de poder e buscando equilíbrio em nossas relações afetivas e de trabalho, na administração do lar, na criação dos filhos.
Somos bombardeadas pela mídia, que tenta correlacionar empoderamento a consumo e sexualização excessiva; além do sectarismo que nos classifica primeiro pela genitália, depois pela raça, pela classe, pela orientação sexual, pela identidade de gênero, pelo biotipo, pela crença, pela faixa etária, e assim por diante.
Mesmo que agora pareça mais um texto oportunista, permita-se pensar de modo crítico, não importando se você é feminista ou não, se é mulher ou não. Hoje é um dia que evoca uma longa luta, que chega até o nosso presente. Pessoas que deram suas vidas para que tivéssemos o que temos hoje, enquanto sociedade e como humanidade, e pessoas que ainda são vítimas daquilo que não evoluiu. Vemos e vivenciamos situações que evocam a necessidade dessa luta pelo equilíbrio, por um modo mais civilizado e humanizado de lidar com o outro. Então, sejamos mais atentos. Todos nós. Respeito, educação, segurança, saúde, civilidade, são direitos inerentes ao nascimento. Independem de gênero. Ou de qualquer outro fator. Uma vez humanos, todos devemos exercitar o raciocínio em busca da melhoria constante. Não é porque “sempre foi assim” que deve permanecer “assim”.
No mais, que esta data sirva para empoderar todas as mulheres e para fortalecer a sororidade que une e ensina umas às outras. E que esse dia 8 de Março seja para relembrarmos as mulheres que lutaram e lutam pelos direitos femininos, nos inspirando sempre a continuar nessa jornada.
Vanessa D'Aguiar