Você já se perguntou como é possível que, ao ver um objeto pela primeira vez, consigamos imaginar uma maneira de manuseá-lo? Mesmo sem nunca ter interagido com ele antes, nossos cérebros são capazes de prever como esse objeto funcionará e qual será o resultado de nossas ações sobre ele. Essa propriedade já foi estudada e é conhecida como affordance.
Quando encontramos uma porta com uma maçaneta de alavanca, instintivamente imaginamos que ao movimentar a alavanca para baixo e empurrar a porta, ela se abrirá.
(Imagem por pressfoto de Freepik)
Ao longo das últimas décadas, diferentes autores contribuíram com a discussão sobre affordance em seus livros e artigos, propondo variações, adaptações e evoluções do conceito. Nesta primeira parte do artigo, exploraremos a origem do conceito por James J. Gibson e a introdução do assunto na comunidade de design por Donald Norman.
Affordance na Ecologia
O conceito de affordance foi cunhado pelo psicólogo James J. Gibson em seu livro “The Ecological Approach to Visual Perception” (1979). De acordo com Gibson, os animais percebem diretamente no ambiente informações significativas sobre as possibilidades de ação que ele oferece. Nesse sentido, as affordances seriam as oportunidades de ação que o ambiente apresenta aos animais, e essas possibilidades são determinadas tanto pelo próprio ambiente quanto pelas capacidades de ação do animal em questão. Como um elemento natural, a affordance proposta por Gibson existe independente da necessidade ou percepção de um observador, sendo algo invariável, mas sempre disponível.
A palavra Affordance é um substantivo criado por Gibson a partir do verbo inglês afford (Dispor). (Imagem de Freepik)
O design e as affordances percebidas
Em 1988 Donald Norman introduziu o conceito para a comunidade de design no livro “O Design do Dia-a-dia”. Em seu livro, Norman trabalha com um recorte do conceito, trazendo o foco para as affordances percebidas. Uma affordance percebida engloba as propriedades de um objeto que possam ser percebidas pelo observador, especialmente aquelas capazes de determinar os possíveis usos do objeto:
As affordances fornecem fortes indicações para a operação de objetos. Chapas são para empurrar. Maçanetas são para girar. Ranhuras são para inserir coisas. Bolas são para atirar ou quicar. Quando se tira proveito das affordances, o usuário sabe o que fazer apenas ao olhar: não são necessárias imagens ilustrativas, rótulos ou instruções. Objetos complexos podem exigir explicações, mas objetos simples não devem precisar delas. Quando objetos simples precisam de imagens, rótulos ou instruções, o design fracassou. (Norman, p. 32, 1988).
Uma cadeira permite (“serve para”) suporte, portanto possibilita sentar-se. Uma cadeira também pode ser carregada, mas para uma criança ou alguém com limitações motoras, a affordance de carregar uma cadeira pode não ser percebida ou até mesmo não existir.
(Foto de Joel Wyncott na Unsplash)
A aplicação da affordance no design de interfaces
O conceito de affordance não se limita apenas ao design de objetos físicos, ele também é explorado pelos designers no desenvolvimento de interfaces. Em comparação com o design industrial, o design de interfaces acaba oferendo maior liberdade e facilidade para explorar e definir as propriedades visuais dos produtos.
É possível aproveitar o conhecimento prévio que as pessoas possuem de suas interações com objetos físicos para desenvolver interfaces de fácil compreensão e boa usabilidade. Baseando-se em modelos mentais já existentes, conseguimos definir elementos que sugiram ações mais adequadas para que o usuário atinja o resultado esperado.
A seguir, alguns exemplos de elementos de interface que utilizam o modelo mental de interações originárias de objetos físicos:
Botões clicáveis
Painéis de controle arrastáveis
Sistema de debloqueio deslizante para tela sensível ao toque
Na próxima parte do artigo, aprofundaremos ainda mais esse tema, apresentando as contribuições de William W. Gaver e algumas diretrizes para a criação de interfaces orientadas por affordances.
Referências:
- The Ecological Approach to Visual Perception de James Gibson.
- O Design do Dia-a-dia de Donald Norman.
- Affordance, conventions, and design de Donald Norman.
- Interaction Design Foundation
